Um dia, um café e a vida sem graça

Naquele dia acordou depressivo. Não que tivesse motivo para isso, mas sentia uma melancolia cinza e fria. Aos poucos a tal melancolia o fora consumindo ao longo de mais uma manhã sem graça, como a grande maioria de suas manhãs nos últimos meses. Tentou disfarçar e se convenceu de que sua atuação estava a contento, porém não fora essa a imagem decifrada por aqueles a quem encontrara naquela manhã. Resignado e ainda sentimentalmente confuso, avistou um Café. Passara por aquele caminho fazia anos sem que nenhuma grande mudança o alertasse significativamente, mas naquela manhã… Lá estava ele, sublime, charmoso e dotado de um magnetismo místico impossível de se negligenciar.

Como sempre estava atrasado, compromissos desestimulantes o aguardavam como sempre, rotina cruel de seus dias desinteressantes e sem graça. Sentia-se impotente diante de tentativas frustradas em promover, pelo menos até aquele momento, mudanças substanciais em sua vida. E por um minuto deixando de lado a razão e num impulso libertador, parou o carro no primeiro espaço que vira. Não se preocupou com leis que pudessem se impor ali e na verdade chegou a desejar que levassem seu carro embora, num súbito desejo por tornar aquele dia mais interessante e menos monótono que os demais.

Saiu do carro como se estivesse se libertando de tudo aquilo que viera carregando de mal naquela manhã cinza. Entrou no Café como quem já no leito de morte conquista mais alguns dias de vida. Sentou- se na primeira cadeira que avistou. Contemplou então o relógio onde vira a hora passar e sentiu um prazer sádico em ver que se atrasaria para os compromissos que o esperavam.

Parado recompondo muito lentamente sua consciência racional continuava a observar os minutos correndo no relógio imaginando o que seria necessário fazer para transformar por completo sua vida em algo mais interessante e foi então que se deu conta da presença de uma das atendentes do local: O Café. Ainda meio que sofrendo de um transe olhou para atendente e ela gentilmente lhe perguntou se desejava ver o cardápio.

Pensou, pensou e de repente algo o intrigou. Não conseguia mais lembrar quanto tempo permanecera sentado ali. Olhava o relógio mas não conseguia interpretar as horas. Em pânico novamente voltou-se a olhar para a atendente e viu que na sua frente, com olhares assustados, que havia mais que apenas uma atendente ali. Foi então que sua consciência veio retornando e ao olhar novamente viu além das atendentes mais um monte pessoas ali com olhares os mais variados, mistos de preocupação, espanto e alguns até de indiferença.

Perguntou sem especificar a quem, que horas eram e uma das atendentes lhe disse:

– SÃO TREZE HORAS.

A informação se impôs sobre ele como um soco direto no queixo. Voltou a ficar meio tonto e perdido e então soltou:

– Um expresso por favor. Estou com pressa e não posso demorar!

A atendente então ignorando o pedido perguntou de volta o arguindo se ele estava se sentindo bem.

– Bem? Estou muito bem obrigado! Apenas não consigo ler as horas.

– Ler as horas…

Nossa!!! Perguntou novamente que horas eram. A atendente então respondeu em tom já denotando sua falta de paciência.

– TREZE HORAS SR!

Ele então não disse nada. Recolheu o livro e o celular que estavam na mesma e foi saindo dizendo estar atrasado. Ao chegar na porta do Café procurou mas não localizou por ali seu carro e então pensou: Tudo certo, agora já sei que estou de volta e que tudo está normal. Seja bem-vindo a sua vida sem graça e agora sem carro! E sem pensar muito começou a caminhar sem destino.

5 comentários

  1. Boa narrativa como sempre! Essa história passa-se comigo mesmo.. A solução é mudar a rotina de nosso dia. 😀

    1. Olá Sergio sempre um grande prazer ter você como leitor. Meus agradecimentos pelos elogios aos quais sempre me abastecem de mais vontade e inspiração para continuar a escrever. Grande abraço.
      Anderson Mattozinhos

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